O livro de Gilberto Freyre foi escrito em 1951, quando trabalhava no jornal "A Província". O livro foi construído com três fontes: os arquivos da polícia, com suas notificações de queixas de casas mal-assombradas e fantasmas molestadores; material de cronistas da cidade no período do império; e sua fonte mais rica, os seus fiéis contadores.
Observa-se
que o folclore brasileiro de assombrações traz diversos bichos (bodes,
cabras-cabriolas, mulas sem cabeça, lobisomens, saci-pererê, boitatás, porcos,
queixadas, cães ou gatos de olhos de fogo, papa figos, perna cabeluda, mãos de
cabelo, entre outros. Já as assombrações do Recife são mais urbanas: casas mal assombradas, fantasmas, tesouros
enterrados, diabos negros, fantasmas do demônio colonizador, entre outras
situações urbanas.
Uma
característica do livro são os personagens, que na sua grande maioria, são
personagens da história de Recife e de Pernambuco, podendo citar, a história de
Josefina Minha-fé; Barão da Escada (Belmiro da Silveira Lins), Branca Dias, José Mariano e
sua esposa Dona Olegarinha; entre outros.
Outra
marcante característica é a vinculação de alguns contos com a história política
e social vivida na Cidade de Recife e no País. Há histórias sobre os diabos
negros, os exus pertencentes aos escravos africanos, demônios de cabelo de fogo
e vermelho, reflexo da época da invasão holandesa ou do fantasma de Branca
Dias, israelita dos tempos da inquisição e ainda histórias de tesouros de
judeus, flamengos e jesuítas escondidos e assombrados. Há também gritos
noturnos de negros aflitos açoitados até a morte (ecos doídos da escravatura
neste país), ou ainda, súplicas noturnas de tantos revolucionários e negros
fujões.
O
sobrenatural reside nos nomes de diversos locais da Cidade de Recife: Rua do
Encantamento, praça Chora-menino, Bairro da Encruzilhada, entre tantos.
Sendo
o livro escrito por Gilberto Freyre, não poderia de deixar de trazer os
fantasmas revolucionários e subversivos que alimentam a tradição contestatória nordestina.
(Revolução Pernambucana de 1817, Revolução Praieria, Batalha dos Guararapes,
dos Quilombos, da Colônia Suassuna, entre outros.
O
livro nos seduz a continuar a investigação de seu autor e as novas lendas, como
a de "perna cabeluda" que assustava e violava mocinhas pernambucanos
em plena ditadura e a mulher emparedada, entre outras.
Vamos
para nosso primeiro conto:
Boca de Ouro
Um
pacato recifense no início do século 20 resolveu fazer um passeio noturno,
gozando do silêncio da meia-noite e de repente encontrou uma figura meio diabo,
meio gente. Um tipo acapadoçado (capanga, canalha), chapéu caído sobre os
olhos, panamá desabado sobre o rosto e que lhe foi logo pedindo fogo. Quando a
figura chegou perto, viu um rosto de defunto já meio podre e comido de bicho,
abrilhantado por uma dentadura toda de outro, encravada em bocaça que fedia
como latrina de cortiço.
Assustado,
o infeliz aprendiz de boêmio correu como um desesperado. Quando achou que tinha
se livrado dele, quem aparece com nova gargalhada de demônio zombeteiro a
escancarar o rosto inchado de defunto e a deixar ver os dentes escandalosamente
de ouro? O rapaz não resistiu. Caiu zonzo, desmaiado na calçada e ali ficou até
ser socorrido pelo preto do leite que foi o primeiro a ouvir a história e
falador como ninguém, o primeiro a espalhá-la.
O lobisomem tomava forma
de cão danado, mas tinha alguma coisa de porco. Toda noite de sexta feira
estava nos ermos de Caldereiro, do Monteiro, do Poço da Panela, cumprindo seu
fado nas encruzilhadas.
O fato aconteceu perto
da casa do Abolicionista José Mariano.
Josefina, saiu para
comprar azeite de lamparina para os santos, já que ela era devota de Nossa
Senhora da Saúde. Era noite de sexta feira e noite escura, quando no meio do
caminho, sentiu de repente que junto dela parava um não-sei-quê alvacento ou
amarelento e que fedia.
Quando a criatura
começou a agarrar a menina e rasgar sua roupa, Josefina começou a gritar Minha
Madrinha, Minha Fé! Minha Fé! Foi o que salvou a menina. Ter gritado pela
Senhora da Saúde, da qual o lobisomem, amarelo de todas as doenças e podre de
todas as mazelas, tinha mais medo do que do próprio Nosso Senhor, ficando
conhecida após esse episódio de Josefina Minha Fé.
Alguns dias após o
ocorrido sua mãe (ex escrava dos Baltar) foi encarregada de lavar as roupas de
um certo doutor de um sobrado do Poço da Panela e que não gostava de José
Mariano descobriu que no meio da roupa suja do bacharelzinho estava mais do um
pedaço do vestido azul de sua filha.
Curiosidades sobre o
conto
- Josefina Minha Fé era
conhecida de Gilberto Freyre e foi ela que contou a história
- José Mariano (1850-1912) foi um político, líder
abolicionista e jornalista polemista brasileiro. Contemporâneo de Joaquim
Nabuco foi o principal articulador de suas campanhas políticas. Na casa de José
Mariano, no bairro do Poço da Panela, no Recife, sua esposa Olegaria Gama
Carneiro da Cunha, apelidada de “mãe dos pobres”, dava todo o apoio aos
escravos fugidos das senzalas ou alforriados, muitos deles eram escondidos em
barcos e levados pelo rio Capibaribe que passava no fundo da casa-grande.
José Mariano fundou o jornal “A Província”, o
mesmo onde Gilberto Freyre trabalhou e que o estimulou a escrever o livro
Assombrações do Recife Velho.
José Mariano e sua
esposa Dona Olegarinha
Casa de José Mariano e
sua esposa Dona Olegarinha
Poço da Panela não
recebeu esse nome à toa. O bairro surgiu no século XVIII, como um pequeno
povoado, pertencente ao Engenho Casa Forte, e passou a ser frequentado pela
elite por estar às margens do Rio Capibaribe, onde as pessoas tomavam banhos
medicinais naquele tempo. Mas, no início, a moradia teve bastante dificuldade
para conseguir água potável. Isso não demorou muito: uma nascente foi
descoberta e um poço foi construído, acompanhado de uma panela de barro, para
que os moradores tivessem acesso à água. Daí o nome: Poço da Panela.
Curiosidades: O escritor
Ariano Suassuna, ex-governador Miguel Arraes, o abolicionista José Mariano e
sua esposa Dona Olegarinha (que nomeia uma das ruas) e o poeta Maciel Monteiro
foram moradores ilustres deste bairro.
Luzinhas Misteriosas nos
Morros do Arraial
Segundo os moradores de
Casa-Forte e das imediações do Morro do Arraial, no Recife, aparecem luzinhas
misteriosas nos morros onde se travaram encontros da gente luso-brasileira com
a flamenga. (Guerra dos Guararapes).
Para eles são almas de soldados
que haviam morrido lutando; que eram espíritos de guerreiros ali mesmo
tombados. Zumbis de campo.
Barão de Escada, num
lençol manchado de sangue
Estava uma senhora de
família pernambucana do interior do Estado visitando seus parentes em Recife
quando foi descansar tranquilamente, numa das cadeiras de balanço da casa. De
repente, deu um grito que assuntou a casa inteira. Um grito de terror tão
grande que até na rua se ouviu a voz da sinhá ilustre. Após todos tentarem
acudir a pobre coitada, veio a explicação: à dona acabara de aparecer a figura
do tio barão envolvida num largo lençol branco todo manchado de sangue.
Horas depois chegaram ao
Recife notícias de Vitória: tiroteio na igreja durante as eleições. Conflito
sangrento. O barão de Escada fora assassinado.
Curiosidades: Belmiro(ou Belmino) da Silveira Lins, primeiro e único barão de
Escada (04 de setembro de 1827 — Pernambuco, 27 de
junho de 1880), foi um político e militar brasileiro, assassinado durante uma campanha política na cidade de Vitória de
Santo Antão, Pernambuco, no conflito conhecido como hecatombe de Vitória. À
altura era tenente-coronel da Guarda Nacional.
Nas festas de Santo Antônio,
São Pedro e São João, faziam grandes fogueiras no meio das ruas, e não somente
nos quintais ou nos pátios das casas para o Diabo não vir dançar à meia-noite
diante delas. Mas também tinham as festas de culto da água, reminiscência simbólica
do batismo de Jesus.
Em Recife, deixavam as
mazelas nas águas do Capibaribe e no Beberibe.
Rio
Capibaribe
Conta
a lenda que Branca Dias era uma rica dona de engenho vivendo tranquila no
Recife de antigamente até que começou em Pernambuco a perseguição aos judeus
promovida pela Inquisição: um tribunal formado a partir da Idade Média por
religiosos da Igreja Católica para revelar e punir pessoas que não eram cristãs
e que supostamente cometiam bruxaria. Branca Dias praticava em segredo a
religião judaica e sabia que se aproximava a sua condenação – tanto por sua
crença, quanto por ser dona de uma magnífica coleção de objetos de prata que
poderia se confiscada pelos perseguidores.
À
primeira menção de que a Inquisição viria pegá-la, Branca Dias juntou todos os objetos
valiosos os atirou num riacho que corria no terreno da vasta propriedade na
qual morava. Os temores da mulher se concretizaram: ela foi levada para
Portugal, julgada e condenada à morte. Já o curso d’água ficou conhecido
a partir de então como “Riacho da Prata”, e depois como “Riacho do Prata”.
Mas temos outro conto
que envolve Branca Dias
Diz a crença que no dia
de São João à meia noite, se olhasse nas águas dos Rios Capiberibe e Beberibe
conheceria o futuro. O que visse ou deixasse de ver nas águas era o futuro. A
crença principal era a de que a pessoa que, noite de São Joao, à meia-noite,
não conseguisse ver na água a própria imagem ou cabeça, podia estar certa da
morte próxima. Não iria brincar na próxima festa de São Joao.
Dizem que uma moça cuja
maior vontade era casar, mas queria casar com um homem muito rico ou
simplesmente casar, pois já estava com 20 anos. A solteirona saiu com a mucama,
na noite de São João, para tirar a sorte de ver ou não ver, menos a própria
imagem, que a de noivo ou futuro marido, mas primeiras águas que encontrasse.
As primeiras águas que encontrou foram as do Riacho da Prata. Decidiu
debruçar-se sobre elas. Parece que não viu imagem nenhuma - nem do noivo nem a
própria - porque debruçou-se mais e antes que a mucama pudesse fazer qualquer
coisa, a moça começou a gritar: - "Me acuda, Luzia, Me acuda que ela quer
me levar!". Correu a mucama para ajudar a sinhazinha, mas esta já havia
desaparecido nas águas do riacho da prata.
Ainda hoje há quem às
vezes veja, noite de lua, duas moças nuas no meio das águas da Prata. Dizem que
uma é Branca Dias e a outra, a sinhazinha que sumiu no riacho na noite de São
João.
Papa Figo ou O homem do
saco
Diz a lenda que um homem
rico estava virando lobisomem. Empalidecendo, amarelecendo, perdendo toda a cor
de saúde, como em geral os homens que dão para lobisomens. Desesperado,
recorreu ao saber misterioso dos negros velhos. Segundo um desses velhos
negros, o homem somente iria se curar comendo figo de menino (explicando,
fígado de menino). Diz-se que o próprio negro velho se encarregou de sair pelos
arredores de Recife, com um saco ou surrão às costas. Ia recolhendo menino no
saco e dizendo que era osso para refinar açúcar. Mas era menino. Quanto mais
corado e gordo o meninozinho, melhor. Só assim, evitou-se que o homem
continuasse a alarmar a população sob a forma de terrível lobisomem. Curou-se,
mas de modo sinistro.
O papa-figo é como o
lobisomem da cidade, que não muda de forma, sendo alto e magro. Diz-se que é um
velho negro, sujo, vestido de farrapos, com um saco ou sem ele, ocupando-se em
raptar crianças para comer-lhes o fígado ou vendê-lo aos leprosos ricos. Em
outras regiões é muito pálido, esquálido, com barba sempre por fazer. Saí à
noite, às tardes ou ao crepúsculo. Aproveita para as saídas das escolas, os
jardins onde as amas se distraem com os namorados, os parques assombrados.
Atrai as crianças com disfarces ou mostrando brinquedos, dando falsos recados
ou prometendo levá-las para um local onde há muita coisa bonita”
Filme Papa-Figo
Inspirado
nessa personagem folclórica, foi lançado em 2008 o filme “Papa-Figo”
dirigido por Menelau Júnior. O longa metragem tem como enredo a história de um
serial killer que remove o fígado de suas vítimas.
O vulto do salão Nobre
Outra
versão do Conto
Dizem
que costuma aparecer, no salão nobre, um vulto escuro e alto, anunciando alguma
desgraça que está chegando. Existem histórias da época da Revolução de 30, uma
delas diz que o vulto apareceu antes do cozinheiro espalhar veneno na comida,
como se quisesse avisar algo.
Perna Cabeluda
Ela
espreita a próxima vítima escondida pelas trevas intensas da rua
deserta. Mistura-se às sombras dos muros altos ou fica por trás das
árvores de troncos retorcidos. Tem, como cúmplice de seus ataques, o
silêncio das noites mornas da capital pernambucana. Quando o passante desavisado
vem pela calçada, a criatura se movimenta ligeira para alcançá-lo. O
encontro infame provoca o grito descontrolado, faz o arrepio de morte percorrer
todo o corpo, leva o coração descompassado à boca.
–
Que desgraça é essa, meu Deus? Isso não pode ser verdade!
A
fuga desesperada começa, mas é inútil. Num abrir e fechar de olhos, vem a
rasteira que leva o sujeito ao chão e depois os fortes chutes. O massacre
termina com ele quase desmaiado, estirado rente ao meio-fio, entre gemidos
e choramingos. Levado por populares à emergência do Hospital da Restauração, o
coitado quase nada consegue dizer às enfermeiras que chegam junto à maca.
–
Foi ela, foi ela que deu em mim… coisa medonha demais… pior que o cão dos
infernos…. fiquei todo quebrado… quero ver esse troço mais nunca, cruz credo,
ave Maria.
Você
pode até achar a história engraçada, caro leitor, mas acredite: no Recife, são
muitas as testemunhas dos feitos pavorosos do ser abominável ao qual me refiro.
E se exagero nos adjetivos é porque talvez não existam substantivos capazes de
descrever como é topar com a Perna Cabeluda. Afirmavam terem visto o pé
grosseiro de unhas podres e longas. Na maioria das vezes, falavam que
canela, joelho e coxa eram cobertos de pelos ensebados e negros. Mas
as descrições sobre a famigerada assombração variavam – cada pessoa que a
encontrava (ou a imaginava) acrescentava outros detalhes macabros. O artista
plástico Fábio Rafael, que produziu as ilustrações vistas aqui, acredita, por
exemplo, que a assombração tinha um pé de bode, tais com as pernas do próprio
demônio.
Para
justificar as brigas entre os
maridos e os amantes de suas esposas. Nesses casos, melhor do que assumir a
verdade, as marcas eram atribuídas à perna
Diário
de Pernambuco - onde foi criada a história da perna cabeluda
foto:
@profdiogenesamerico
A mulher emparedada
Jaime Favais era dono de uma loja que funcionava no térreo do sobrado na Rua Nova, em um endereço nobre do Recife.
Ele era é um homem muito grosseiro e vingativo. Um dia, Jaime
descobriu que Clotilde, a única filha, tinha engravidado de um homem
sedutor chamado Leandro. Para completar a confusão, ele descobriu que Leandro
era amante de sua esposa, Josefina.
Jaime manda matar o amante, Josefina enlouquece e ele tenta
casar a filha com um sobrinho.
Como o rapaz não aceitou, ele colocou a filha num macabro
castigo: amarrou-a com cordas, cobriu com lençóis brancos e colocou-a em
um banheiro do sobrado.
Com a ajuda de um comparsa, Jaime forçou um pedreiro a fechar a
porta do banheiro com tijolos.
Após passar três anos afastado em Portugal, Jaime voltou para o
Brasil para morar em cima do sobrado, onde colocou a filha emparedada.
O casarão era atormentado por gemidos tenebrosos e pela figura
branca e vaporosa da filha.
Até hoje, testemunhas garantem ver a aparição num prédio comercial
da Rua Nova.
No mesmo local, ocorriam fenômenos inexplicáveis, como móveis
sendo arrastados por mãos invisíveis, soturnas batidas nas paredes, além de ser
ouvido um choro lamentoso que seria da emparedada.
Possíveis locais sobre a história da Emparedada da Rua Nova.
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